Por que o crime de violência doméstica não pode ser retirado pela vítima? Entenda a lei e os direitos envolvidos
Entenda por que crimes de violência doméstica não podem ser retirados pela vítima, como a Lei Maria da Penha protege mulheres e garante que o agressor seja responsabilizado, e quais medidas de proteção podem ser aplicadas para assegurar a segurança da vítima durante o processo judicial.
Revisado por Dra. Stephanie Soares
12/10/20253 min read
A violência doméstica é um tema sério e, infelizmente, ainda muito presente na sociedade. Uma dúvida comum entre vítimas e familiares é: “posso retirar a queixa ou fazer com que o agressor não seja processado?” No caso de crimes de violência doméstica, a resposta da lei é clara: a vítima não tem poder de decidir sobre a exclusão da ação penal, e isso tem fundamentos jurídicos importantes.
No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) estabeleceu mecanismos rigorosos para proteger mulheres contra violência doméstica e familiar. Um dos pilares da lei é que a ação penal é pública incondicionada. Isso significa que, diferentemente de outros tipos de crimes, a iniciativa de punir o agressor não depende da vontade da vítima. Mesmo que a vítima peça o arquivamento do caso ou diga que “perdoa” o agressor, o Ministério Público continuará a conduzir a investigação e, se houver elementos suficientes, apresentará a denúncia à Justiça.
O objetivo dessa regra é proteger a integridade física e psicológica da vítima, pois muitas vezes a decisão de “retirar a queixa” pode ser fruto de medo, pressão, dependência econômica ou manipulação emocional do agressor. A lei reconhece que permitir que a vítima decida sozinho sobre o andamento do processo poderia colocar sua vida em risco ou perpetuar o ciclo de violência.
Além disso, a jurisprudência brasileira reforça essa proteção. Diversos tribunais já decidiram que pedidos de arquivamento ou desistência feitos pela vítima não têm efeito para interromper a ação penal em casos de violência doméstica. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) destaca que a punição não se destina apenas à punição, mas também à prevenção, proteção da sociedade e garantia dos direitos fundamentais da vítima, conforme precedentess abaixo:
"Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário de 11 a 21 de agosto de 2023, sob a Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em julgar parcialmente procedente a presente ação direta, para dar interpretação conforme à Constituição ao artigo 16 da Lei 11.340, de 2016, de modo a reconhecer a inconstitucionalidade da designação, de ofício, da audiência nele prevista, assim como da inconstitucionalidade do reconhecimento de que eventual não comparecimento da vítima de violência doméstica implique “retratação tácita” ou “renúncia tácita ao direito de representação”, nos termos do voto do Relator. (Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 7.267, relator: Ministro Edson Fachin)"
"Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, para cassar o acórdão recorrido, no que tange à decretação, de ofício, da nulidade do processo a partir da denúncia, devendo o julgamento prosseguir para análise das demais teses defensivas. Quanto ao tema n. 1167, assim ficou delimitada a tese: "A audiência prevista no art. 16 da Lei 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia", nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº. 1964293 - MG, relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca)"
É importante também entender que a continuidade do processo não significa que a vítima será obrigada a enfrentar o agressor em todos os momentos. A Lei Maria da Penha prevê medidas de proteção, como afastamento do agressor, proibição de contato e até transferência de domicílio em situações graves, garantindo que a vítima possa se sentir segura durante todo o trâmite judicial.
Portanto, a impossibilidade de “retirar a queixa” não é uma limitação da liberdade da vítima, mas sim uma forma de proteger sua segurança e direitos. Ao mesmo tempo, assegura que o agressor seja responsabilizado, evitando que o crime seja encoberto por medo, coação ou manipulação emocional. Com isso, o sistema de justiça busca romper o ciclo de violência e enviar uma mensagem clara: crimes de violência doméstica são graves e não podem ser tratados como meras desavenças pessoais.
Em resumo, o crime de violência doméstica não pode ser retirado pela vítima porque a lei prioriza a proteção da vida e da integridade da pessoa, garantindo que o agressor seja responsabilizado independentemente da vontade da vítima. Entender essa regra é fundamental para empoderar quem sofre a violência e fortalecer a eficácia das medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha.
