Pode te revistar só porque você pareceu suspeito? Revista exige fundada suspeita, não mera aparência
Este artigo explica quando a polícia pode realizar a revista pessoal, o que realmente significa “fundada suspeita” no Código de Processo Penal e como o STJ tem limitado abordagens arbitrárias. Entenda em quais situações a busca é legal, quando a prova se torna ilícita e como a jurisprudência protege o cidadão contra abusos.
Revisado por Beatriz Poso & Stephanie Soares
12/3/20253 min read
A “revista” ou “busca pessoal” está prevista no art. 244 do Código de Processo Penal (“A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.”). Ela consiste na procura de armas, drogas ou qualquer outro ilícito no corpo do suspeito pela autoridade policial.
O texto legal afirma que a revista independe de mandado apenas em situações específicas, como durante uma prisão em andamento ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja carregando arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Também é permitida quando for determinada no curso de uma busca domiciliar. Nada no dispositivo abre espaço para revistas baseadas em mero “achei estranho”, e isso tem sido afirmado repetidas vezes pelos tribunais superiores.
A interpretação correta é que a fundada suspeita precisa se apoiar em elementos concretos, verificáveis e objetivamente identificáveis. A simples impressão subjetiva do policial, sem fatos que a sustentem, torna a revista ilegal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido firme ao reconhecer que alegações vagas como “atitude suspeita” não justificam a intervenção. A Sexta Turma reforçou isso ao declarar ilícita a prova obtida em uma abordagem que se baseou apenas nesse argumento genérico, resultando no trancamento do processo, conforme o HC 774.140, relatado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz. O mesmo raciocínio foi adotado pela Quinta Turma ao entender que o nervosismo do indivíduo, somado à mera intuição policial, não constitui motivo suficiente para legitimar a busca, como registrado no AgRg no HC 747.421, cuja ementa encontra-se abaixo:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO VAGA DE “ATITUDE SUSPEITA”. INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. (Superior Tribunal de Justiça, HC nº 774.140, Sexta Turma, Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES E ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ABORDAGEM POLICIAL EM VIA PÚBLICA. ACUSADO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ABORDAGEM PAUTADA EM MERA INTUIÇÃO POLICIAL (SIMPLES SUSPEITA) SOMADA AO NERVOSISMO DO ACUSADO. SUPOSTA CONFISSÃO DE QUE TERIA MATERIAL BÉLICO NA RESIDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO CONCEDIDA PELA RELATORIA ANTERIOR NESTE STJ. AGRAVO DESPROVIDO. (Superior Tribunal de Justiça, AgRg no HC 747.421, Quinta Turma, Relator: Ministro Messod Azulay Neto)
Apesar da proteção robusta que a lei oferece, existem situações em que a fundada suspeita se configura de forma legítima. A denúncia anônima, quando indica fatos específicos e descreve condutas relacionadas ao crime, pode autorizar a abordagem, desde que os policiais encontrem elementos que confirmem minimamente a verossimilhança da informação ao chegarem ao local. Esse entendimento foi reafirmado pela Quinta Turma em julgados como o AgRg no HC 860.283 e o AgRg no RHC 193.038.
Outro caso frequentemente discutido é a fuga ao avistar a polícia. Embora nem sempre fugir seja sinal de crime, o STJ entende que a evasão imediata, em determinadas circunstâncias, pode configurar fundada suspeita, permitindo a revista. A Terceira Seção consolidou essa posição ao decidir que a fuga do indivíduo, aliada ao contexto da abordagem, autoriza a busca pessoal nos termos do artigo 244, como consta no HC 877.943, também relatado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. ART. 244 DO CPP. FUGA DO RÉU AO AVISTAR A GUARNIÇÃO POLICIAL. FUNDADA SUSPEITA QUANTO À POSSE DE CORPO DE DELITO. CONFIGURAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVAS LÍCITAS. ORDEM DENEGADA. (Superior Tribunal de Justiça, HC 877.943, Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção)
O que se observa nesses precedentes é um equilíbrio necessário entre o dever estatal de combater o crime e o direito individual de não ser submetido a constrangimentos ilegais. A busca pessoal não é proibida, mas precisa ser justificada. O policial deve ser capaz de explicar, diante do juiz, quais elementos concretos despertaram a suspeita. Quando essa justificativa inexiste, a prova obtida se torna ilícita e o processo pode ser anulado. Quando existe, desde que baseada em critérios objetivos, a abordagem se torna legítima.
O debate mostra que o problema nunca foi a revista em si, mas o uso arbitrário desse recurso. A lei protege o cidadão contra abusos, e a jurisprudência mantém essa proteção ao exigir que a fundada suspeita seja algo real, verificável e fundamentado nos fatos. No fim das contas, o respeito aos limites legais fortalece tanto os direitos individuais quanto a eficácia da atuação policial.
