Estou foragido da justiça: quais são as consequências e quais passos legais posso tomar?

Neste artigo, explicamos as consequências de estar foragido da justiça, quais são os passos legais possíveis e por que a orientação de um advogado é fundamental tanto para proteger seus direitos quanto para assegurar que o processo siga os critérios previstos em lei.

Beatriz Poso e Stephanie Soares

12/1/20255 min read

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O indivíduo é considerado foragido da justiça quando há um mandado de prisão em seu nome e, por algum motivo, impede ou dificulta seu cumprimento. É importante compreender que, para ser classificado como foragido, o acusado deve ter ciência da existência do processo instaurado contra si. Isso porque a ação penal tem início com a citação, ato que formaliza a notificação ao acusado de que lhe é atribuída determinada conduta criminosa. A partir desse momento, ele passa a ser chamado a participar do processo e, posteriormente, a receber intimações relacionadas ao andamento da ação.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em regra, isso significa que o cumprimento da pena somente pode ocorrer após o esgotamento de todos os recursos possíveis. No entanto, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (Tema 1.068), as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri passam a ter execução imediata, mesmo antes do trânsito em julgado.

Quando se trata de prisão preventiva (art. 312 do CPP), a situação se torna ainda mais rígida. Caso o acusado permaneça foragido, essa condição impede a substituição da prisão por outras medidas cautelares, conforme entendimento reiterado pelas Câmaras de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. A jurisprudência é clara ao afirmar que a fuga demonstra risco concreto de frustração da aplicação da lei penal, o que justifica a manutenção da custódia cautelar.

A seguir, alguns precedentes que ilustram esse entendimento:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FURTO QUALIFICADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PACIENTES FORAGIDOS. INADEQUAÇÃO DO HC PARA REENQUADRAMENTO DENEGADA. I. CASO EM EXAME TÍPICO. ORDEM Habeas corpus impetrado em favor dos pacientes (casal), contra ato do Juízo da Vara Regional das Garantias 10ª RAJ Comarca de Sorocaba, no processo nº 1508826 97.2025.8.26.0378, que decretou a prisão preventiva dos pacientes pela suposta prática do crime do art. 155, § 4º, II e IV, do Código Penal. Busca-se a suspensão da capitulação por furto qualificado, o reenquadramento para apropriação indébita majorada para fins cautelares e a revogação da prisão preventiva, com expedição de alvará de soltura. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (I) definir se há constrangimento ilegal na manutenção da prisão preventiva dos pacientes; (II) estabelecer se é possível, na via estreita do habeas corpus, o reenquadramento jurídico provisório dos fatos para fins cautelares. III. RAZÕES DE DECIDIR A decisão que decretou a prisão preventiva apresenta fundamentação concreta e suficiente, indicando a presença do fumus comissi delicti, demonstrado por boletim de ocorrência, extratos bancários e documentação que aponta desvio de aproximadamente R$ 3.999.614,60. A fuga dos pacientes, certificada nos autos por investigação policial e testemunho, evidencia periculum libertatis, justificando a custódia para assegurar a aplicação da lei penal. A condição de foragidos afasta a possibilidade de substituição da prisão por medidas cautelares diversas, em razão de sua inadequação e insuficiência para garantir a instrução criminal e a efetividade da persecução penal. O pedido de reenquadramento jurídico para apropriação indébita majorada exige análise aprofundada de fatos e provas, providência incompatível com os limites cognitivos do habeas corpus, que não admite dilação probatória. Não há ilegalidade evidente na decisão atacada, que observou os arts. 312, 313 e 282 do Código de Processo Penal, bem como os parâmetros constitucionais de fundamentação e presunção de inocência. (Habeas Corpus nº. 2271223-24.2025.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo)

EMENTA: DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. RÉU FORAGIDO POR LONGO PERÍODO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA. ORDEM DENEGADA. I. Caso em Exame: Habeas Corpus impetrado por Rodrigo Barbosa Gomes da Silva em favor de Luciano Silvestre de Oliveira, sustentando a existência de constrangimento ilegal decorrente da manutenção de prisão preventiva decretada há mais de 20 anos. Alega ausência de contemporaneidade, inexistência de necessidade da medida, bem como circunstâncias favoráveis posteriores, tais como constituição de família, comportamento social adequado e desconhecimento da ação penal. II. Questão em Discussão: Avaliar a legalidade e atualidade da prisão preventiva, à luz dos requisitos dos arts. 312 e seguintes do Código de Processo Penal, diante da alegada desnecessidade da medida e da possibilidade de aplicação de cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP). III. Razões de Decidir: A prisão preventiva foi decretada e mantida com base em fundamentos concretos, notadamente o risco de fuga e a necessidade de garantia da aplicação da lei penal, considerando que o paciente permaneceu foragido por período superior a duas décadas. A alegação de desconhecimento da ação penal não afasta o histórico de evasão ou a periculosidade aferida no decreto prisional. Prevalece a jurisprudência consolidada segundo a qual a fuga do distrito da culpa caracteriza risco processual e legitima a manutenção da prisão cautelar, não havendo que se falar em ausência de contemporaneidade quando o próprio agente contribui para a demora do andamento processual. IV. Dispositivo e Tese: Ordem denegada. Teses de julgamento: 1. A evasão do distrito da culpa e a permanência do réu em local incerto e não sabido justificam a manutenção da prisão preventiva, para garantia da aplicação da lei penal. 2. A presunção de inocência não impede a decretação ou manutenção da prisão cautelar quando presentes os requisitos legais (art. 312 do CPP). Legislação Citada: CF/1988, art. 5º, LVII; CPP, arts. 312, 313, 315, 319, 366. Jurisprudência Citada: STF, HC 95.159/SP, j. 12.05.2009; STJ, HC 288.716/SP, 5ª T., rel. Min. Nilton Trisotto, j. 25-11-2014. (3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, HC nº. 2331656-91.2025.8.26.0000, Relator: Márcia Monassi)

HABEAS CORPUS. Ameaça. Homicídio duplamente qualificado, na modalidade tentada. Indícios de premeditação na prática delitiva. Paciente que se encontra foragido. Pleito de revogação da prisão preventiva. Impossibilidade. Presença dos requisitos dos artigos 312 e 313 do CPP. Alegação de violação ao princípio constitucional da presunção de inocência. Não constatação. Eventuais predicados pessoais favoráveis não resultam, automaticamente, na concessão do benefício almejado. Projeção de fatos futuros, como o regime inicial a ser marcado por ocasião da sentença. Inadmissibilidade. Precedentes. ORDEM DENEGADA. (Tribunal de Justiça de SP, HC nº. 2331793-73.2025.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Criminal, Relator: Cristiano Jorge)


Esses precedentes demonstram que, uma vez foragido, o acusado enfrenta maior rigor na análise de pedidos de liberdade e menor chance de substituição por medidas cautelares diversas da prisão.

Como agir nessa situação?

Diante desse cenário, o primeiro passo — e o mais responsável — é buscar imediatamente a orientação de um advogado. Ele poderá:

  • analisar o processo e verificar a situação do mandado de prisão;

  • avaliar a possibilidade de habeas corpus ou outras medidas urgentes;

  • apresentar defesa técnica dentro dos prazos legais;

  • orientar sobre apresentação espontânea, quando pertinente;

  • garantir que o processo siga estritamente os critérios legais e constitucionais.

Regularizar a situação não significa admitir culpa; significa retomar o controle do processo e garantir que seus direitos sejam efetivamente respeitados. Isso também evita consequências mais severas, como o andamento do processo à revelia, a dificuldade de apresentar defesa e o aumento do rigor do Judiciário em futuras decisões.